terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Falta de Tino

Nos tais dos amores
nunca fiz volume de
me evitar

cada um são necessárias
armadilhas que o
tempo nunca desarmou

hora nenhuma pesei a palavra
amor em conta de
tiro atirado

não. tenho os amores no
dever de sombra fresca
na hora a pino da roça

ali é que são todas as
sonolências, gosto ralinho
de acabar o sol.

Mas o amor mesmo, no
oco cavado e seco de
cada garrafa

o amor é mal-jeito no peito
vesgueira súbita no
diário capinar

é o mais vivente de todo
tipo bravio de sagrados
desesperos

o amor é como aviso de morte
do irmão que a gente nem
não conheceu

sábado, 6 de dezembro de 2008

Fui a Palavra

eu me vesti de palavra
foi pra tua boca me usar

sem o tempo de outro gosto
não fui que não ser cuspido

fui teu grito no quando do amor
o parido que furtado de ares

fui a pedra na tua fala
o pro-inferno que você fez mandar

fui o doce do teu sorriso felino
em tantas horas do teu brincar

fui tua voz transtornada
o calado no torto do teu silêncio

fui tua angústia engasgada
a estreiteza do teu sussurro

e me fui falado, bichinho,
fui teu pedaço na letra do Chico

fui o conto no teu ninar
o balbucio na madrugada

fui a tua palavra encolhida
o segredo nas tuas cirandas

e fui tua coleção de verbos
fui os teus pontos e mas

fiz um novelo na tua língua
pra ser o depois do suspiro

eu me vesti de palavra menina
pra ser pedaço da tua história

uma curva nas tuas páginas
o tanto que alguém vai narrar

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Livro dos nós

é como aquele inteiro ano
infinitas curvas de rodas d'água
fosse um amanhecer de dia santo

faz um silêncio em floração
feito aqueles milagrinhos
no pouco das frestas na calçada

vai existir um outro tempo
um estar na cama, que é a
conta entre culpa, angústia, solidão

o pão conhecido em detalhe novo
um café a tornar-se frio, e os
pés no gelado do ladrilho

a gente tem um querer solto
arisco em ser qualquer coisa
pensa que é água, que é vento

que desdobra em toda orgia
de pensamento: poda o capim,
corta o baralho, proseia a cachaça

vive o sublime do joão-de-barro
no enquanto a gente se basta
é auto em toda coisa pequena.

não nada. não tarda a existência
a tornear no dentro um vasinho
de doença, um zumbido, uma coisa

o tempo entornado é tudo oficina
e o querer sem fronteira o barro
do vaso, a fria matéria-prima

a gente sonha lampejos de paz
e só desadoece quando não existe.
todo dia que acaba é só tratamento

se há graça, está na vigília,
no fardo de terra que se alivia
no tempo-de-aleluia de um enxergar

cada inteiro ano é então pó
pedra-sabão que a hora vai roer.
chão, relevo, sonho e só

Mais Infâncias

a infância é um caminho,
sempre é.

naqueles dias fazia da
colorida capa do edredon
nossa máquina-do-tempo

dali viajamos a todas as terras
de dinossauros: latiam lá fora
enquanto a gente se encolhia
em pânico-gargalhadas

dali evaporamos ao futuro de todos
os carros e gente voadora: lá fora
robôs soldados a latir em ameaça

aquele jardim era uma passagem
cada planta, pedra, bicho
tudo emprestava pra gente o
feitiço de ser outra coisa

canibais por detrás das moitas
ninjas escalando o telhado
a terra que engolia tesouros
areia que matava a fome

tudo como se com vontade
porquê e movimento

devo ser
que me explico
pela máquina-do-tempo:

este agora é um futuro
que me abraçou pesado
enquanto carrego
o talvez de poder voltar

de quando em quando
penso ouvir o cachorro
misturado a criança, café
e bolo de cenoura

vai ver é que a gente
corre muito
que é pra não estranhar
o mesmo jardim, o sempre
edredon e o susto
de que não vai crescer

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Foi

Sempre vai uma cabeça ingênua
nas longas comitivas da gente.
quando um moleque, boi-de-piranha
a sacrificar em travessia o preciso.

um açum-preto a varar na
cerca os próprios olhos.
uma raposa a roer na
armação a própria pata.

a onça a mastigar filhotes.
Chronos, chavelhudo, a
dilacerar cada cria derradeira,
essa sua tanta condenação.

a dívida não há quem pague.
o poço não há quem seque.
a foice não há quem pare.
a febre não há quem tire.

atire, outra cabeça.
sangra na curva em perambeira.
perde um pedaço, farto, parto
que é pra cursar, calado,
nova ribanceira.

Sempre infâncias

o mundo, era do tamanho
da rua da minha casa à
escola professora Kazuco Ohara

de tão pequeno, ele era bonito

no campinho fiz meus primeiros gols
e ali experimentei o nascer da inveja:
como jogava bem o tal do Saraiva

de tão bom, a gente tinha medo

cresci em uma descida, e o
desejo era ser o time a atacar para cima
- ainda tento entender o porquê.

de tão torto, meu coração só conheceu enxurrada

naquele dia eu conheci Renata
tinha sorriso bonito e pele
que entendi morena. pouco toquei

de tão longe, evaporou de todas as tardes

foi a primeira, onde tudo ainda é.
ainda vou à escola no depois do almoço
enquanto Renata deixa a rua vazia

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Indagação, mais nada

Do outro lado da palavra existe o quê?
o quando? o quem? o qual?

o sorriso e a angústia do pescador?
as mãos e o pânico do alpinista?
o coração que bate na sua boca?

existe o quê? se
do outro lado da palavra mora um espelho,
imagens do nada
andar vazio
o depois do incêndio.
convém?

***

a palavra não-é.

aqui escrevo sustos
impressos no meu tempo,
enquanto toda idéia é um não-saber
abro buracos em cada sentença

a palavra é minha sentença.
ela pensa, quando pensar é não-ser.
o afundar no poço de cada escolha

por quê não falo?
a palavra é arremedo, imitação, poesia.
é ponte entre mundos que não habito
onde não existo

linha de costura a nos enganar
finge cerzir o pano invisível da existência

na palavra:
sujeitos sem pátria
silêncio e labirinto

na palavra:
hei de também não existir

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Decalques

A menina é o lampejo de uma promessa.

ela nunca entendeu-se
porque seu tempo-em-ser
é sempre não mais que
a sombra de um vôo
do pássaro em fuga

a menina é um tipo de
náufrago que emerge
vez ou outra no batido
oceano de suas fronteiras

ela é o susto na montanha russa

viaja indefinida na máquina-do-tempo
arrancada de seus algarismos.
e vai ao sem-fim...

um quase, em quase
todas as horas. é aquela
que brota fátua no impreciso
tempo das tentativas

notória e pálida certeza
do desejo que haverá amanhã.

ela é sombra? não.

é por isso tudo, bela.
bailarina em existência misturada
à multidão, e seu contorno
perde-se no rosto de
tudo o que vive

viva corrente no leve
e livre manuseio da linha
a cerzir impossível,
desejo e fracasso.

moça-assustada;
não é preciso não.

é isto impossível,
o espacial abismo aos teus pés
a tua virtude

cada laço encontrado
das tuas amarras é
o ninho quando
brilha teu rosto

todo tropeço
um trapésio a te
lançar ao sublime.

cada incerteza e esquina
o decalque, teus dedos
no rosto da tua tribo

você é, porque não.

e toda tua falha
te aproxima
e me aproxima
de mim

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Contenda

A prótese eletrônica
não engana nada
o encantamento

as urnas são velhas
bocas banguelas
em cíclica reinvenção
das coisas das cidades

boca faminta
devoração de desejos
mastigação autofágica
digestão...
digestão...
digestão...

barriga cheia
indigestão
nutrição-sã
intoxicação
excremento
movimento
excremento

tua cabeça alimenta
as ruas e as hienas.
e tu sabes!

então: sujeito ou salsicha?

terça-feira, 28 de outubro de 2008

Resistências

a porta é fechada.
e em toda palavra
mora um quarto escuro

o pouco das falas
não é que é a gente
mesmo. Não moça.

o silêncio é a
barriga grávida
dos nossos destinos

é um menino que
vai beber da luz e
desenganar da solidão

como em toda novena,
cada conta é um pedregulho
na aragem das mãos

cada palavra uma conta
um calo no dorso do tempo,
Parrão a me cobrar.

[madrugada na roça. escuta o eco que faz]

o silêncio é um jeito
arisco de não estar
na mira das vozes

a palavra parada
tem os olhos fechados
no esconderijo de si

e o pior cego?
aquele que tem
medo de ver

porquê o querer é
só uma bala atirada.
é sem importância.

quem manda mesmo
são outros macacos,
outras resistências

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Pausas

Fumaça nos olhos: difícil escrever. É o porquê dos dias de pausa. Mas não se trata de poesia vazia, ou de sujeito calado. Não desisto das letras, tampouco temo errar nas novas regras gramaticais. Não, não. É mais...

A cidade está fria e cinza, mas é só nas aparências. Por aí os dias seguem na efervecência do tudo pode acontecer. São dias de disputas, onde tudo vale voto e projeto. Dias de sobe e desce. Dias da grande crise que temo e desejo. É um tempo de fazer escolhas, como são todos os dias.

Mas sérá que a gente se lembra mesmo que pode escolher? Será que a gente consegue ver diferenças? Que há uns e outros? Que há histórias em jogo? Que há telenovelas e romances disputando nossas cabeças?

Estes são dias para leituras. Tempo para exercitar os olhos em enxergar silêncios e contrários. Quero ver narizes a farejar velhas armadilhas. Eu quero ter um Outubro em homenagem à memória. E te convido a produzir perguntas. Vou começar:

Se a gente chamar uma rapoza de bem-te-vi, ela vai parar de roubar galinhas?

domingo, 21 de setembro de 2008

Linhas-de-passe

São Paulo são esses vultos
uma porção de gente
espremida em silêncios:
a cidade está em guerra!

os manos são esquinas vazias
encruzilhadas bélicas
em eterno não ter por onde...

enquanto você goza,
covarde, canalha, finge -
você não pode ver.
enquanto compra asfalto,
limpeza, pontes, médicos de faz-de-conta,
giram metralhadoras a cuspir
palavras, porradas e pedidos

as minas explodem pisoteadas
nos corredores da linguagem fálica
- são apenas pedaços de carne
a abastecer cozinhas, latrinas
e motéis baratos; não são mulheres.
são artefatos soterrados, risco necessário

e a cidade cospe fogo
na sua constipação diária, paranóica.
veias arregaladas,
a cidade cheira e fuma
em nóia agonizante.
usa túneis para esconder rostos
e um silêncio mecânico
- olímpico -
no êxtase das linhas de produção

a cidade não existe!
São Paulo é um
continente em disputa.
campo de batalha que
arrebentou são jorges,
são bentos, são lucas...
sé-fé-roubo.

a cidade é um discurso ao avesso:
espaços, buracos, afastamento,
a cidade é salto-à-distância

São Paulo. São Paulo?
São Paulo é não compreender.
São Paulo é nossa Grande Falha
São Paulo não é uma cidade.
São Paulo é pergunta permanente,
ameaçadora.

[a imagem capturei no blog que mico, que agradeço e recomendo]

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Ensaios sobre Setembro - III

O tempo não tem cabeça
nos ocupa e encarna
que é para saber pensar

será que a gente é o sonho do tempo?

lembro um filme que não assisti.
o homem era um delírio
era um homem sonhado
um tipo de sombra
amarrada a outra
existência - indisvencilhável.
pode uma sombra existir sem coisa?

o tempo sonhava o homem
a coisa sonhava o homem
a pedra pensava o tipo
o rótulo, a nota, o nada
tudo o sujeitava,
ele era diminuído de si:
um fantasma

o sujeito era só um caminho
sua vontade, outra decisão

curioso:
ele votava
ele comprava
ele elegia nos menus
ele escolhia profissão
ele crivava amizades
ele lia revistas
escolhia lados e amores

pensava que pensava
irritava-se até,
na tola certeza
do quem manda aqui sou eu

será que não sabia dos poderes do tempo?

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Ensaios sobre Setembro - II

Eu não conheci
a orgia dos padres
não roubei vinho
em sacristia
ou adormeci ao som
sufocado dos coroinhas

eu não atravessei
bêbado a fronteira
dos corpos amontoados
não fiz promessas
no vazio do ventre
das multidões

eu escolhi dia de chuva
para começar sapatos novos
joguei bola no morro a cima
deixei de fora o dinheiro
quando dei em comprar sentidos

eu não escalei palanques
fiz um arquivo morto de gravatas
recolhi, para perguntar das frestas
e descansei em dias de sol

agora, atravessei a rua
que levo tatuada no corpo
que é pra visitar
o outro lado de mim; e vou.

tenho lentes nos olhos
que são pra filtrar
o que desbota os dias

e procuro...

do teu medo
eu nunca fugi

tenho asas magras,
de alguma serventia

quero.
não espero
viver na tua boca

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Palavras talheres

Era dia 11 e eu comemorava aniversário. Das mãos de um monte de gente querida, que rodaram um guardanapo e tinta verde, nasceu uma poesia assim, feita de mesa, feita em presente pra mim:

uma massa fresca
uma flor vermelha
três décadas e sóis
sete mesas geniais
mulheres grávidas
um beijo vermelho da Deise
bolo de chocolate com cinco brigadeiros
toalha te-adoro
bolinhos recheados,
de gorgonzola, nunca mais!

são paulo acolhe tudo isso
29 amigos e 15 copos de cerveja
tomates secos pisoteados
fome porre fome
agente quer comida!
direito de repetição
uns chegam outros partem
precisamos de mais
flores, de mais você.

E me entregaram, não assinaram, mas está tudo aí. Eu juro. Viva a poesia, viva-poesia. Viva o ter amigos, porque nada é mais.

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Ensaios sobre Setembro - I

A gente é sempre
um tanto de rio
em que não se
navegou

A gente é uma
nuvem de chuva
nos agostos do sul

a gente tem sempre
um quarto apagado
no escuro da casa

a gente é um
pedaço de história
que alguém vai narrar

a gente é quase
a gente é será.
a gente está
no depois da curva
a gente é, no suspiro.
e a gente é uma pausa
dos outros.

a gente vive.
e viver?
viver é uma vontade

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Constatação Tardia

Minha boca é a
nascente do rio
tudo-o-que-não-tenho

Navego em vontades
e sou aquele que só
tudo-quer-ser

Não sou, que é pra
saber existir

Não sou.
Logo, existo

Curioso...
Será que as largatixas pensam assim?

terça-feira, 19 de agosto de 2008

Torneira do tempo

hoje relampeja.
chuva? Nada
a torneira
pingava o tempo
em ladainha

eu nadava as gotas
enquanto
concebia em esperança
um rio de devaneios
e viver em vertigem

sentia na cabeça:
existir é pescar.
importa fome
e desejo
nem sempre se sabe
tanto um, quanto outro
mas hão,
emaranhados

arremeço em tempo de lesma
tatear no caladão das horas
insistir sobre a perda
recolher sabedoria e gosto.
o peixe, no às vezes
dos dias

no barranco
recolho os olhos
aqui era um dia seco.
defeso do azul
enquanto está
cada vez mais
em mim,
que toda
torneira
é um rio
que desistiu

domingo, 17 de agosto de 2008

Preparos

Pela manhã
sua mãe
o aconselhava
lavar os olhos

- Dord'oooolho! Ela dizia.

Tempos depois
entendeu
que o sono
lhe calibrava
o olhar,

coisa que a água fria
despertava todo dia.

- Dord'olho é não enxergar! Ele dizia.

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Pedaço-em-pergunta

O que há do outro lado da minha boca?
De onde vem a palavra?
Onde vou, quando não estou aqui?
Quem fala na minha poesia?
Onde desapareço?
Quem grita no meu silêncio?
Quem me vê do espelho?
O que nasceria dos meus abortos?
Quem é o roteirista dos sonhos?
O que é o avesso da palavra?
Faço? Sou feito? Me faço?

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Não

Um tempo
à beira das horas
nonada do mundo
esquecido de estrada
palavra e disposição

levar borracha do bolso
em apagar a tendência
feito a ave-maria
lusco-fusco em solidão

ser feito d'água
em diluir
tal bruta concentração

e acordar comigo
parir minha vez
na palavra que evito

esse avesso do sim
estranho raro
estrangeiro: não

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Canto de espera

passa o quero-quero
que tanto quer
esse pássaro,
isso crucificado
grita-sem-coisa
voa sem porto

quero-quero-quero

que tanto traduz o mundo
tudo ela aquilo tanta gente

quero-quero-quero

aveamplificador
teu bico é um balcão
fila de náufragos
teu vôo arremessa
bocas fechadas
gente-que-não

quero-quero-quero

pássaro vagão de desejo: vai
eu vi a fome tua alma
em incessante tentativa

quero-quero-quero

tu és tanto silêncio
teu nome é distância
teu nome é não posso
teu nome é não tenho
teu nome é cadê
teu nome é
ave-

quero-quero-quero

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Machado

andava raso, no vesgo da luz
um machado pendia nas mãos.

o silêncio ponto do pássaro
fazia um tanto calor semfim.

e o tempo ia torto, sem sopro
de um sol promovido a doutor.

entre lembranças verdes, o,
casmurro na sombra minguada.

esqueceu-se do trem, amolecou-se
anoiteceu em ver quinquas borba

domingo, 3 de agosto de 2008

Ensaios sobre o ver - 08

...
eu sonho...

na máquina
dos olhos
aquilo que
me opera.
tempos feito
engrenagem

passagens do
dentro e fora
hora-a-hora
abandonadas:
deixo as separações

à máquina
não se engana
inteiras plenas
percepções.
chega
até onde faltam
meus pensamentos
entende
no onde
escapo calo
minha voz

máquina-do-tempo
os olhos
do sem contorno
eterna partida
e retorno
em direção
à matilha de mim

[a imagem que acompanha a poesia conheço por máquina-do-corpo e foi gentilmente cedida por André Brandão: http://www.andrebrandao.com/]

quinta-feira, 31 de julho de 2008

Comentários a El Gran Masturbador

entardece o dia em tímidos vermelhos,
meu rosto pálido curado no tempo seco
é um fruto no tronco em infinito inverno

toca um vento amarelo os olhos,
dias e noites me emprestam espíritos
quando sou nada mais do que respiro

deserto, meu corpo é uma ampulheta
cíclica, máquina-do-tempo sem fim
máquina-de-areia em uma obra infinita

caçador que aprisionou um coração
engaiolado e pulsante, memória do
dia que vai surgir na curva das horas

o rosto é também medo da serpente
pesadelo adotado da infância tribal
sedução e vaidade que é e assombra

e a tudo devoram as águas do tempo.
nao há tanto assim no largo horizonte
e minha palavra é um barco-besouro.

procuro, logo existo. Sou essa busca
soprada de escuta em escuta, olhar em olhar
entre portos que não ouso, talvez, ancorar

[tentativa de diálogo entre auto-retratos: Dali]

quarta-feira, 30 de julho de 2008

Notas simples aos reis daí

suas cabeças levam pedras
a cidade é um velho leão
atormentado em insônia. sonha
a zebra que não pode mais

a savana é a tela calada
nos labirintos gélidos museus
e toda noite é agonia quando
a força fermenta-se em medo

um muro abriu salas falantes
onde havia antes adagas cegas
e o vapor dos grilhões sublimados
também apodreceu armaduras

refluxo e mistura pelas ruas
navegações invertidas, e a
nação em desespero ao
ser descoberta; riso ao avesso

aqui, tudo o que é de pedra
já está inventado e firme
até as idéias e rebeldias
são colossos prédios, quadros, bustos

que se leva daqui, então?
não é assim descobrir?
deixar pegadas na carne
arrancar o valor em pó?

não. não vive nas contas
o conto que nos interessa
sob as saias, vozes e pressa
o reino transborda desejos

meu reino, por não ter medo
meu reino, por haver tentativa
meu reino, para que exista reino
meu reino, para que eu tenha lugar!

assim gritam seus sussuros
enquanto Madrid sustenta
muralhas e defende seu feudo,
seus flancos e a sua vertigem

porque há cabeças
que não se querem pedras
há leões em um balé surreal, assustados
surpresos com o terno abraço das zebras

Desenhos na Madrid-Vieja

uma linha
risca a tua rua

no papel, uma vírgula
a tua lua

reticências
para que eu seja tua...

inspiração
interjeição
interpretação

só apareço
se escreves

sou quando
tu queres

uma janela
uma saudade
uma metade inventada

um sentido
escondido, um suspiro
em tua oração

sexta-feira, 25 de julho de 2008

Hipercidade

Uma moça sonha a cidade
desperta uma colméia confusa
ladrilhada em desejos coloridos,
é operária em um carrocel metálico
e não entende nada

Barcelona entorpeceu seus olhos
ela rodopia, fala, enfeita-se
que é pra se esquecer engrenagem,
desentender-se

No espelho, sou sua outra
me apavoro lendo sombras.

a rua é ruína
a cidade borra
um resto de pele do seu rosto
enquanto devora gente

a rua é muralha milenar, militar
a cidade engole
planos, telas e cores
enquanto desinventa-se em igual a tudo

toda criação se inverte
objeto.
o afeto é um bibelô
o grito um pinduricalho
e as cores
são não mais
que o sorvete lambido
em roletas, filas e fotografias

os ônibus são cúbicos
o metrô é um cilindro opaco
as salas têm poros em
todos os ângulos,
mas Picasso, onde vai?
quem passa o tempo
adormecido nos ventres de Gaudi?
quem mergulha nos infinitos
traços de Miró?

Não, a menina patina
nos corredores da hipercidade
e não conhece os outros lados
do seu rosto. o gato comeu seus olhos
seus?

O que é seu nessa cidade?
o segredo que não conheço?
o quase-vazio do inverno?
sua língua, seus vizinhos, suas praças, seus tapas?
as varandas, os jornais, mini-saias, os seus pães?
construções?
suas carnes, seus cafés, suas danças ou o
sangue que escorre nas taças?
touradas? Valentia, camarões?

tanto que ocupa suas gôndolas
que a moça se move plégica.
não há canto
na erupção das moedas
ela não vê seu talvez,
é o corno no
Decamerão.
é Cândido; Benjamim.
ela não conhece
quem a governa

mas não se importa
Barcelona é imponente,
nova cidade-estado,
é auto,
é em si,
é convergência e vitrine,
e pulsa

nela, o coração de um rei vai
traduzido em coração de touro

bicho apressado pelas ruas
cada vez menos ruas
cada vez mais paredes

até...

sexta-feira, 18 de julho de 2008

Mariscal

Pelas praias, pelos pratos de Valencia, tantas conchas. Penso ter me lembrado Neruda, o oceano de palavras do poeta. Em dias em que falar é permanente invenção, escrevi...

Minhas palavras
são minhas conchas
sou carne assustada
na casca das minhas frases
meu grito é esqueleto
e toda argumentação
minhas cápsulas
escrevo as linhas
curvas do meu corpo
torto o meu útero
onde capturo oceanos

minha boca cospe
ossos no caes
onde ancoras faminta
minha língua calcifica
petrifica as sílabas-górgonas
que se enlaçam em tuas redes
meu grito é então pérola
antígeno a preparar
primavera nas tuas mãos

minha prosa me esconde
tu me invertes

me fecho
enquanto o vapor cáustico do
teu desejo me descola

faço um segredo, me calo
tu és o estupro consentido
os dedos que me estragam de assalto

eu faço voto, estaciono, me asseguro, escondo
tu és o pote fervente, o óleo escuro
que me dissolve

eu me encaixo, adormeço na trama
de corais serpentes minhas certezas
tu me distraes, em tapas corta
minhas linhas me faz presa flácida

eu falo, tu me alucinas
eu falo, tu me exterminas
eu falo:
casco férrico
pele pétrea
alma plúmbica
produzo palavra sólida

enquanto oras um caldeirão
em que me esqueço máquina
e lápide

mergulho em ti pra me lembrar
conversa, bossa, plá...
mergulho e flutuo pra me lembrar
que sou antes qualquer palavra

tudo, barata, ave, nada
gente, oco, água, pouco

sou alfabeto
plano e buraco, sou quase.
sei o gosto de ser
qualquer palavra
e sou também ensaio
letras nas mãos de um menino

sou armação, quebra-cabeça, carta-de-amor
rabisco e palavrão,
sou pixação, exo-vontade
sou palavra
que me fala, em
qualquer possibilidade

quarta-feira, 16 de julho de 2008

Plaza Miracle

Doze vezes despertei
em lençóis azul-claro
dobram os sinos em mãos
sobre meus cabelos, na
Plaza Miracle del Mocaoret

uma badalada e bebo
a José Marti libertador

outra baladada
aos homens-peixe no leito do rio

outra ao tempo
que adormeçeu na calçada

outra ao vinho
solvente de toda certeza

outra à noite
que desencoraja gente apressada

outra às putas
que semeiam flores na cidade

outra aos tapas
por devorarem a fome

outra aos loucos
a romper gaiolas dentro de mim

outra aos barcos
semeadores das lonjuras do mar

outra ao verão
fogueira ardente sobre nós

outra a estas ruas,
trama de linhas
urbanas com que
costuro poemas

e a décima segunda,
badalada aos
amigos e amores,
porque rabiscam
pelos tampos das mesas
os melhores traços
do meu rosto

Una vieja en el tiempo

¿son todos bailarines?
preguntó la madre
que iba en sueños
por las horas de la tarde

Y le dije, no.
No, Helena.
están solo bebidos
de infinitas botellas de tiempo colorido.
- ahora lo tienen...
Y me miré a mi, sorpreso

Y le dije, sí.
Sí, vieja,
bailarines en sus
pequeñas cajas musicales.

se hay un sonido de vida
flutuan en
noches de sol.

quieren todo de si
y vuelan plasticos,

están enamorados, vieja.
enamorados por
el verano de aquí

terça-feira, 15 de julho de 2008

Nas janelas da cidade

Em qualquer janela
se dependura um adeus
enquanto os livros
são guarda-lágrimas

todo oceano é um
delírio da terra
e os pratos de sopa
teus sorrisos que afoguei

tenho uma tristeza: vos digo
um amor elástico a
percorrer meu corpo
feito um elevador vazio

assim está. escuro.
o silêncio é longe
é a cidade Chernobil
em construções paradas.
lá, a única coisa viva é o tempo

ele passa,
faz os sonhos
em poeira pálida
e me apequena

todo amor
é radioativo,
e permanente;
perco pedaços
longe de ti.
terminará?

mas os mares
trabalham lento
em dissolver a terra

em toda janela
há também espera.
e os cabelos brancos
das casas, ao vento
mediterrâneo
fazem verão
em confiança

todo vulcão é
terra que se
pensa fogo
todo barro é
já desespero

são não mais
que quases.

então
não sei bem
as esperas.
viver em estado
de hemorragia,
pulso, pulso, pulso
nem sempre é quase-bom

que toda explosão
é também
paciência:

vontade é espera
certeza é medo
silêncio é desejo
saudade é verdade
distância é promessa

e o tempo
passa.
passa pássaro
passa longe
passa à quando
passa à quase
passa agora
passa à nada

segunda-feira, 14 de julho de 2008

Madre Angústia: vai-te.

velha senhora
conquistado pátio
vapor-de-lágrima
lástima muralha

tuas veias secas
ilhas-de-solidão
fome solar
mastigado homem
vale teu dia
um troço de pão

teu pedaço de
gente é pedra
areia o teu útero
laqueado ao tempo
tu, que aprendes?
nada?
navalhas nas mãos
na amarra
alguma tentação?

velha rolha
ressecada
a tua vida
vinagre vencido
e tuas tripas
ratos-de-tróia
a rasgarem-te
devoram-te
enquanto
devora-me
velha senhora
sentido velho
cloaca

vai-te de mim
feito um
carnaval de insônia
que prepara
rasga apogeu
resiste, mas
engasga
encolhe, morre
em cinza mijada

vai-te velha
bruxa cansada
agora não.
agora eu quero
corro, durmo
falo, disparo
devoro o tempo.
devoto
das noites
valencianas

quinta-feira, 10 de julho de 2008

Já vou

vou,
deixo-te
em elegância
de orvalho

adeus leve
sonolento
sereno
sobre nós

eu? quase-exilado
abraço distâncias
encolho permanente
entre o que
terra e brisa
deposito-me
e sigo
líquido petrificado

aceno último
porque vou,
não sou terra
tampouco outro

calo do tempo
nas nossas mãos
calo do quase
calo o amor

Inventar palavras

Gosto de invenção de palavras
plenitudiná-las
no quando quero

fosse assim um
pescador de sentidos
saia pelo mar
em dias claros
anzol sem isca
na persistência...

e vem. Cada palavra bonita:

desilusão
vindima
caes
orvalho
silêncio
saudade
produção
invisível
contrário
enxergamento
amargura
amor-a-pinceladas

e vem. Tudo enroscado
tanta coisa
plenitude nonada

e vou.
eu,
pescador de palavras

Espelho mágico

rosa
abre
tudo
solo
azul
anil
mago
vivo
sabe
dose
cena
fala
pena
vejo
tudo
doer
riso
cura
vida
pura
para
olha
mais
para
você
amor

olha
mais
para
você
amor

!!!!

Meta-poesia 06

O que te ofereço
é leitura
linguagem em produção

nada aqui se faz
feito ícone
demarcação

o texto possível
é o texto em sombra
sabido do seu tamanho

escrever é também
produzir pegadas
tatuar a pele do livro
a sua retina

estrondo contido
em cada recorte íntimo
nossa singularidade
arremessada a cada
linha experimento

penso em auto-convite
auto-provocação
autorização ao risco
embate e contraposição

a imagem do mundo reificado
destruir pela subjetivação
autorizo-me
autorizo contraposições

fundar imagens
auto-imagens em
toda posição, e

tratar a palavra
feito lobisomem
meio-do-caminho
a poesia descentrada

desconcentrada

linha em fuga
homens e lobos
conflito e
confrontação

quarta-feira, 2 de julho de 2008

Ensaios sobre o ver - 02

entre tantas
poças estéticas
a moça
contraiu cegueira

pior é que
nas suas casas,
tantas,
tão burguesas

não lhe permitiam
cão. Não! Nada
que lhe pudesse
despertar a alma

por isso parou
calada, pregada
triste boca cheia

enquanto
lati lá fora

segunda-feira, 30 de junho de 2008

Elogio ao encontro

Te encontro, nu, feito amantes, feito antes, antes de tudo, de toda separação. Porque quero tua inteireza e a tua compreensão. Pela distância nos sabemos, já - e basta. Sobrevivemos em um quase se acostuma. Hoje eu digo não porque é outro tempo que escreveremos juntos. Chove uma segunda-feira em que somos desprovidos de afastação. Antes te ouvi, agora quero as tuas partituras; as minhas são tuas. Nossas leituras, onde desatino, onde desafinas, minhas pausas e tua dissonância em outra experimentação. E mais. Do fogo que pensei em nunca haver em mim, lá escondidos todos os meus outros sentidos, coloco-me a tua disposição. Da terra, do que não te depreendes, tuas raízes profundas mistérios invioláveis, te quero livre em disposição. E aéreos, inspirados, abraçados sob a luz que inflama olhos e escurece nucas, nos quero meditação, em troca, permuta de corações desanestesiados, interessados nas horas. Nos quero água em movimentação. Por que aqui sabemos um tempo de ser. A gente promovido do ontem e do amanhã pintores em composição. Lançados em leituras do mundo, a estudar existências no tudo aquilo que ocupa e há. Cada nossa desimportância tensão inimigo desgosto despreso insônia, cada miséria e cada abundância, as marés, entre estarem e não. Assim me apresento: barato, pronto, desejoso de ti. Assim te espero, na maravilha de quando a gente escolhe um para onde e de que jeito olhar. Hoje te encontro minha companheira. Porque morrer são planos, e viver é questão de agoras.

sexta-feira, 27 de junho de 2008

Balanço

aconteci no mar
porque um
quase-eu
se assenta
na terra

marujo a
evitar o caes
barco a ignorar
faróis
âncora desgarrada

navegar,
porque ser
é impreciso

Nega

Salve, salve realeza leitora. Meu pai, que também arrisca-se em devaneios poéticos com codinomes variados, me enviou poesia para uma moça chamada Nega. Carreguei-me de dúvidas sobre que negação é essa, esse permanente estado-de-não que alguém carrega no nome. O que a Nega nega? O fato é que a poesia aí está para suas próprias impressões...

Nega

tudo o que não foi
é tudo:
vontades contadas nos dedos
medos
e nãos
são elos,
corrente arrastada,
(im)possíveis sonhos

sujas de terra
(as mãos)
ainda sulcam,
plantam
trançam ilusões
em cabelos de espigas

terça-feira, 24 de junho de 2008

Alice: é você?

ali se comia ratos
alice pensava doces
ali se bebia sangue
alice sorria cores

ali se ferrava
alice sonhava
ali se matava
alice assistia

alucinado tempo
alucinante ilusão
alice alucinação
ali luciferificação
dizia-se porrada
dizia coração
dizia-se estupra
dizia uma cansão

ali se perdia
alice sensação
ali se fazia
alice alienação

aliste-se menina.
alice ali se perderia?
caralho.
demora, eu sei
toma vidas, toma tardes, toma tempo
mas não tarda alice
ali, se tocar
aliciar-se
acordar em
escolher contradição

sexta-feira, 20 de junho de 2008

Sinthoma-poesia

Minha poesia é sinthoma
vertigem no pensamento
eu vomito frases e interrogo
onde tucanos almoçam silêncios

só as putas sabem os homens
quem a eles confessa buracos
bebe rios de oca intimidade
infinita força de quem escuta

é. mas hoje...

hoje é outra sexta-feira
ora manejo gostos perdidos
o tempo assalta ancoragens
a encher de palavras a funda

as quero composição lancinante
tudo esparrama na landa de agora
a ver se o sol faz de surra e pancada
o marulho deste texto deixado

é. mas hoje...

hoje é outro dia
de palavrear rebentos, rebentos, rebentos

terça-feira, 17 de junho de 2008

Opa-cidade

os prédios ameaçam Deus
enquanto flores
despencam em janelas cerradas

toda torre arde
como setembro
e a cidade, finalmente,
inten-cidade
cumpre-se
em rios metálicos açoreados
e destina-se em
crepúsculos cinza
futuriza-se em árvores plásticas
gente pálida
em turbilhonada existência

cidade-angústia, cidade-máquina, seca cidade
analcidade feita em desejo estético
corpo invadido
cisão política.

a pólis reinventa éticas
mastiga meus ouvidos quando
cospe palavrões em muros pixados
gente espalhada
em tanta periférica existência
tanta concentração: opacidade

minha cidade é susto
e ameaça
humana ratoeira a esconder
sorrisos tímidos
gente roída se debate
onde não há mais
nada

tudo é terra ocupada
tempo ocupado
em cabeças sem teto, sem terra, sem tento e ternura

a cidade são buracos
correria, grito, porrada
enxurrada e capital
invencível cidade
sob avermelhado céu
taquicárdicas tentativas
em fabricar sentidos
no todo dia.

[a imagem que acompanha a poesia conheço por cidade sp e foi gentilmente cedida por André Brandão: http://www.andrebrandao.com/]

quinta-feira, 12 de junho de 2008

Para os dias comuns

toda pressa reprime
um silêncio

enquanto ponteiros
sequestram corações

o asfalto falseia
os contornos do tempo

e de solidão ninguém
se orgulha nas madrugadas

um dia é uma coleção
de vontades

braços quentes,
arremedo de útero

enquanto o cais
é um covarde viajante

toda invenção é aragem
em pulmões inférteis

toda poesia é lamento
êxtase e aparição

terça-feira, 10 de junho de 2008

Amor-retirante

amor retirante
existência oprimida
ajoelhada e desvalida
ressequida terra
pedaço escarrado e
rejeitado do teu
ser-latifúndio

no medonho
amargado do gosto
o silêncio forçado
amor vigiado
na espreita
do jagunço armado
capitão-do-mato
amor capturado

retirante da fé
pedreira e caminho perdido
desorizontado e tonto
tornado à tapera isolada
porque se há, no onde,
sinal minguado
da chuva chegando

como se o quase fosse
a promessa
em fazer terra nova
nova propriedade
a receber sementes
que não podem
nunca

amor retirante
acariciando os contos
do terço, amor beato
dependurado em novenas
confiado, resistente
a ser amor desenganado

amor empoeirado, deus e diabo
fundamento enforcado
doado e prometido
plantado na fome e na sede
tigela de pouca farinha
raíz arrancada viva
galho seco a deitar ilusões

amor retirante
na cabeça resto d'água
lata sofrida
oco-eterno-vazio
ninho de vento
amor enrrugado
criança envelhecida
embrutecido das horas

amor semeado em terra seca
chão maldito em tantas covas
corpo evaporado e sublimado
queimado do sol
pássaro abatido
amor apagado
nas forquilhas da vida

segunda-feira, 9 de junho de 2008

homem-da-lua

Te deram veneno
meu preto
tua garganta lúdica
fez erosão
te roubaram tempos
meu preto
tua poesia túnica
vira trapo
na boca
de quem te escarra

tua pele é prêmio
e a nação
meu preto
tua nação
é também
teu tronco
a devorar teu sangue
te deitar açoites
esfinge indecifrável
entidade inviolável
esta instituição

tentam arrancar-te
Deus, meu preto
enquanto tua boca
confessa essas igrejas
dentro de ti
- eles enlouquecem

tua palavra
meu preto
e tanta gente
desligada e repartida
só daria comoção
ódio

tantas cabeças
enserpentadas
a destilar veneno
são górgonas
meu preto, são

quem te espeta é pobre
quem te devora é pouco
tanto recalque
a eclodir pancadas
tanta gritaria
te envenena, meu preto

mas, que nada
tu sabes
tuas porções
em tuas poções
habitam tantas mulheres
tanta gente
tanta diversidade
que não há remédio
meu preto
nem há veneno não

é a vida
tuas bruxas e sereias
o teu grito e tuas luas
são as ruas, meu preto
é o que te faz viver

sábado, 7 de junho de 2008

Por 1968

aborta
do olhar
os embriões
da tua impotência

aborta
teu medo
teus padrões e
teu silêncio

aborta
tua burguesia
teu orgulho
tua servidão

dispa-te

abra os olhares
do teu ventre
ao impossível

[a escrevo em muros virtuais, pelos 40 anos da luta]

Meta-poesia 05

tenho desapego
pela estrutura
o texto
instituído
não me tem

tenho a poesia
subtítulo permanente
de cada retrato que faço

texto-minuto
poema-fátuo

agora-é
agora-é
agora-é

que
toda
convergência
é também
óbito
e a vida
se dá
em enxurradas
estouram
manadas
conceituais
palavra em
descontensão,
infinita PRODUÇÃO

sexta-feira, 6 de junho de 2008

Roseni

acordou nublada
colada na cama.
não sairia do útero-quarto
onde gestava amarguras

acordou disposta a viver
cada segundo de ontem
cada imagem de amanhã

mas hoje? não.
hoje era nada outro dia.
seu espelho
no quarto parado.
refletia vazio

resolveu que ia chover

assim passou as horas
escorrendo, derretendo
evaporando

segunda-feira, 2 de junho de 2008

Objeto-Amor

Tudo o que não tenho é teu.

sejas, onde recuo
farta-te, onde
mínguo esfomeado

vou, para que
tu sejas
sou o que não
sustento e sinto
e calo no que falo

me escondo
para tê-la avanço
quase-estou
quase-ocupo apareço
que é pra te ver erupção

canção que não canto
tensão que não faço
perdão que não ofereço
coleção de nãos
museu vazio
à tua exposição

e calo no que falo
porque é
tua a história
tua trajetória
a me atravessar

camisa-aberta
a exibir teus peitos
teus jeitos no meu encerrar

sou tua noite
o escuro
sou furo
duro e firme
pedregulho
do teu lapidar

um palco
álcool a te extrair princípios
sou princípio e precipício
a projetar teus vôos
e ecôo teu grito
paro, porque te quero alcançar

sou sono, abandono, moldura
sou preparo e disparo
tua projeção

sou o que não sou
sou promessa
peça da tua manipulação

sou isso
teu isso
tua coisa
tua rua
sou teu sou tua
folha calada
tua palavra
teus rabiscos
risco,
sou teu risco
e sigo objeto perdido
caso assunto
matéria negócio
evento mistério

tudo o que tu queres
tua dúvida, tua angústia
tua busca.

...
teu jamais encontrar

domingo, 1 de junho de 2008

Horas

Parado. Parado. Paradas
as horas
no relógio cansado
esquecido,
como já
pouco importam as horas

ponteiros cansados carregam
o fardo, movimentar
o tempo parado
impresso em círculos
na parede, em
luzes intermitentes.
Cansados, porque já
pouco importam as horas

horas
as horas arquivadas
relógios apontadores
dos destinos de cada recorte
que não vale,
porque a vertigem da escolha
já abandonou as horas

tic, tac, tic, tac, tic, tac
é, não é, sim, não, certo, errado, desarrumado, pronto,
tic, tac, tic, tac, tic, tac...

segue um relógio de inconsistências
espaço vazio e busca.
um relógico ocupado de mim
dos segundos arrastados, eternizados
espera: tic, tac, tic, tac, tic, tac...
haveria ali um espelho a devolver minha outra metade

agora perdida, agora esquecida, distante
consumida nas chamas de si, nos seus próprios ponteiros

ponteiros parados
tempo, tempo, tempo
até ensurdecer despertado
inevitável destino da escolha já feita
tic, tac, tic, tac, tic, tac, tic, tac, tic, tac
fim do tempo de espera


[este poema esta em Recortes dos Dias, outro projeto, quase. Penso ter escrito com os olhos cheios de Ferreira Gullar, em algum lugar de 2005]

quarta-feira, 28 de maio de 2008

Defeso

com janeiro
mês de azuis
retraiu-se:
fez
defeso do amor

antes, seguia
avanços
predatórios
em redes cheias
de amores
desenganados,
debatendo-se
em suspiros
finais, agonizantes

agora,
o defeso
encerrava a pesca.
bastaria, o tempo,
pra renovar
esperanças

até que as redes
voltassem ao mar
e o amor lhe tomasse
em cardumes prateados

segunda-feira, 26 de maio de 2008

Dos mundanças

do fiapo
d’água,
arroio
de essências,
daquilo
que vim

no agora,
escandaliza
um rio

bom
perder o
horizonte,
ver o
sem fim
de cada
corrente,
cada veio
d’água
vistoso,
infinito
quente e frio

pensava remar.
que nada!
a vida
é questão de
ser-peixe.
infiltrado
d’água
nas guelras
seguir
misturado

enredado
de si, das
moças e botos
praia e tocos
todas histórias

misturado
mergulhado
no sem fim

e fazer-se
sempre
chegando...

sexta-feira, 23 de maio de 2008

Terra queimada

O sentido se foi.
se foi o estado
agora pássaro calvo
e o país
partiu-se
feito pau arremessado
ao fogo
espirrando tons
áridos, ácidos - hálitos

desexistência e morte
a alimentar
toda fogueira urbana

a moça partiu calada
no também de tanto verde
que restou em
galho seco
resto de toco
terra, terra, terra
desgoverno do fogo
estalo e uivo
angustiado

[* a imagem é de Eduardo Silva; irmão e companheiro, anda por aí a fotografar existências.]

sábado, 17 de maio de 2008

Sublimações

venho de lá

convido a
viver o vivo,
este transitório
estado
de quase

a mover-se entre
quandos e
sustentar
o que "está para"...

ser o que
reticencia
toda sentença

a palavra é
nada - impressão
estalo e tentativa.

para haver,
é o que já foi
foi o que já não é
sempre um-talvez

sublimação do sabido,
o instituído
fagocitado em perguntas

um é,
de si inseguro,
desapegado
dos laços
desavisado
das pedras
coisa esquecida
sem rosto
e território,
partida

quer ser
aquilo
o que
não se é

e existir
naquele que
não se pensa

ser
aquele que é.

e
o que é, já foi

Risco aliterado

Via a vida
pelas vitrines

e vislumbrava
vozes nos vidros
vazados

dos olhos
vertia vanessas
em vôos viciados

vacão
velho-vazio
vaso-vazio
tipo-vazio
(des)valido

vértice de si
a vomitar
verdades vãs

vãs, vão, vai
verdades vãs
velho-vulcão
vulcanizado

[Sexta-feira, vila madalena vazia. Pela vitrine, vejo o vigia que namora os carros. No vidro, furta-me um pensamento: onde anda Belaque, o professor? Tanta literatura e poesia em voz vulcânica a ensurdecer meus ouvidos jovens. Alguma coisa ficou. Que ele esteja bem.]

quinta-feira, 15 de maio de 2008

Cerrado

Terra
em milagre,
desenganada.

hoje,
assentado
em mim,
conheço o cerrado
do impossível.

na picada
rachada
a gritos -
verdades
retorcidas
em galhos
hirtos, mato.

um campo
sem sombras
esconderijos?

tudo
é sem parada:
revoada
florada
corredeira
pó.

o cerrado é
enquanto
recolho
pedras.

peças
no pra-sempre
desses todos
quebra-cabeças

quarta-feira, 14 de maio de 2008

Propósitos

A poesia
escurece
quem se
ilumina
de nadas

amanhece
quem se
recolhe em
gestos
noturnos

faz tudo
e nada

terça-feira, 13 de maio de 2008

Mais vida seca

Da menina
que viu
restou
um soluço
esquecido
distante
feito fartura
fé.

movia-se
fabiano
retirante
de si

ia oco
sob o sol

Cangaçocárdico

Maria-bonita
será?
haverá um quando
de ser Lampeão?

haverá história?
veredas descobertas junto?
dias de lua e sertão?
plantio de meninos?

o tempo serpenteia
entre, agora,
esse todo-dentro sertanejo
que cala e espera
roga para chover as horas

haverá então?

segunda-feira, 12 de maio de 2008

Campanhas

Assisti, da política,
a cerimônia fúnebre.
sou parte do coro
calado, ladainha

O povo ouvia inquieto
o pregador em riste
enquanto ele,
embriagado de si
vociferava vaidades

Sobre o andor
aganizava o defunto
a política jazia parada,
morta.

ele, porque paria fiéis
redimia a morte
orando verdades vazias

domingo, 11 de maio de 2008

Missa de domingo

Amanheceu o dia.
às seis horas
- quase ontem –
levantou-se,
devoto de si

entre os dentes
o terço de palavras gastas
confianças
graça armada em barro

bem dito o dia de provar o corpo
a intensidade
de uma missa em cápsula

de tudo se livra
ao todo converge
salve o reencontro
salve a descoberta

salve o homem-templo
salve o que desperta

Palavras da salvação
- tudo vem de dentro de nós

sábado, 10 de maio de 2008

Para sábado

Viver tempo de novena
sagrada quarentena
- entre –
em mim.
Eu, procissão.

Vão?
Idéias carpideiras
ladainha perene
andor carregado
figura tombada
esculpida em pedra
desgastada
repartida.

Vão?
Ao cimo daquele morro
- antes –
serpenteia paciente
come as ladeiras
o asfalto falho
recortado

lá desata e oferece
prece apressada
inicia nova caminhada

Café Contido

No café
o conteúdo
do mundo
filtrado
na pressão
do tempo
expresso
amargo
quente

universo
escurecido
esperança
torrada
amor em pó

suas dúvidas
envelopadas
contidas
em porções
finitas
quase a adoçar
a tarde

cada coisa
dentro da
outra

seu amor
líquido engolido
- breve -
rabisca
futuros
nas paredes

sexta-feira, 9 de maio de 2008

...

Meu irmão

onde foi teu rosto?

na mangueira,
um moleque:
voa rapaz!

belo
semblante
de quem vai

no depois,
o destino
que não vi
te perdi?

Entardecido

Tento sonos
sobre os
ombros
da terra

sempre pouco
- atentado -

peso estendido
sobre nós

tantos nós
indesatáveis

mato que não cessa
roça interminável

eu, tributário das horas
feito meu velho pai

quinta-feira, 8 de maio de 2008

Para quinta-feira

O que setembro aprende com agosto?

Seus dias secos moldados em tempo sólido
A agonia do inverno em um cuidado pálido
As poucas tardes caladas a procura de fôlego

O reencontro evitado com fantasmas incômodos
A terapia embutida nos amores recônditos
A incerteza concreta sobre um futuro insólito

A poesia encontrada num momento mecânico
As tantas cartas paradas nas respostas atônitas
O vai-e-vem calejado em tentativas biônicas

O não saber assustado feito em bomba atômica
A luz do sol diluída em noite eterna e intacta
O vir-a-ser enterrado sob uma montanha cármica

As construções permitidas na ascendência esférica

quarta-feira, 7 de maio de 2008

Livro

Encontro
tua boca
no tempo
vazio
- quase-coisas
uma cidade, quase,
quase a história

atravesso
- nesse quando,
teus lábios
desencontrados
e me escondo
dentro de ti

em fuga,
abrigo-alimento,
e morro
no teu corpo.

revirado

você: prato
eu: náufrago faminto

Você conhece Mia Couto?

O moçambicano Mia Couto nasceu na cidade de Beira, em 1955 - um dia ainda chego por lá. Poeta, jornalista, biólogo engajado e romancista de estilo inconfundível e evocador de Guimarães Rosa, tem me encantado com sua obra. Nos últimos meses andei mergulhado em três delas: Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra (sublime); O último voo do flamingo; Terra sonâmbula, todos publicados pela Companhia das Letras. Sugiro leitura, no desejo de que lá você se depare com coisas do assim: "Aprendera na tropa - só se dispara sobre o inimigo quando ele estiver perto. No caso dele, porém, estava tão próximo que arriscava disparar sobre ele mesmo. Ou fosse dizer: o inimigo lhe estava dentro. Isso que ele atacava era não um país de fora, mas uma província de si". Segue um quinhão de sua poesia...

Quissico

1. Deixei o sol
na praia de Quissico
De bruços
sobre o Verão
eu deixei o Sol
na extensão do tempo
Molhando, quase líquido,
o dia afundava
nas fundas águas do Índico
A terra
se via estar nua
lembrando, distante,
seu parto de carne e lua

2. Não o pássaro: era o céu
que voava
O ombro da terra
amparava o dia
A luz
tombava ferida
pingando
como um pulso suicida
um minhas ocultas asas

Fonte: http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_africana/mocambique/mia_couto.html

terça-feira, 6 de maio de 2008

Meta-poesia 04

Porque
nada
é separado: então?

deveriaeufazerpoesiaaglutinantemandarinjogarossímbolospelosaresfeitotextotorrencialprodutordeerosõesnoqueécompartimentorepartiçãodatolicedosfatosedasopiniõessenadasealcançaaospedaçosreduçõesecadaconstruçãoéconcretoevazioharmonianyermaieriananapoesiadascurvasdoscôncavosconvexosedasinversõesquecontenhodomundodassuascontençõesdomundosemfim

Insistência, [ou] do pensamento sobre um eu

Me recordo
das ondas
um ir e vir
frenético:

i n a l t e r á v e l

busca constante
por um ser ( )
que nunca chega

insistente procura
andança
que não passa
e tentativas...
a motivar carícias na areia

dúvida vazia
[talvez?]
em procurarem
o que não conhecem

Relendo Vidas Secas

A mãe lavava roupas
, pensamento enrugado,
as estendia ao vento
pensava em voar com elas

o pai, calado,
t-o-r-c-i-a as palavras
as pendurava em poemas
mudos
pensava em voar com eles

silêncios
sonhos que não comungavam

hora de almoçar.

Ecos

Todo grito
e todo
contrário
são jeitos
de fazer
desdormir
estético

o mundo,
por bom
só se funda
acordado

Meta-poesia 03

que
toda
convergência
é também
óbito

a vida
se dá
em enxurradas

estouram
manadas
conceituais

palavra em
descontensão......................................... infinita
produção

O sertão é dentro da gente

Diz-se, do sertão
que ele é
dentro da gente

naquelas áridas
paisagens
nas paragens
e lusco-fusco
dos saberes
no vazio
das certezas

resiste.
é chama
do fogo
das escolhas
da gente

quanto podemos aí,
capoeira
de tão pouco
enxergamento?

ninguém sabe

não sabia diadorim
não sabia riobaldo
não sabia o coisa-ruim

deus? talvez menos
pobre diabo - blasfemo

pra mim
tudo parece
prosa de quando

se garra chover destinos
- nítidos -
quanda a hora precisa,
desenhada
pros passos novos

hum! aqui.
mas se a chuva
vem do céu
caberia só espera
então?
esperança?

haveria em nós
um tempo de
ave de mau-agouro?
espreita
tocaia
fé no presságio?

vai tombada
à terra
a garrafa dos
nossos demônios?
necessários

na sombra
do capim-açu
d'onde dei pra
viver escondido
pensativo
amargoso,
penso que não

talvez seja a chuva
um desabrochar
da alma
vem de dentro:
fonte permanente
ali onde
se banham
verdades claras

sei não seu moço.
faço aqui
notas breves
contas de caderneta
silêncios
jeito de ajudar
a engolir os dias

e penso que perdi

perdi por aí
um resto
de ingenuidade
que 'inda carregava

não sei pois
se é triste
o enfadonho, sabe?

penso, mas
não sei se existo
isto é certeza
pra ingleses,
estes senhores

só não tenho força
pra atirar peneiras,
tampouco
tecer poemas
a moças-vaidosas

e são tantas, tão perto.

fica então
com este escorrido
de versos

vou te desejando
ingenuidades
desimportâncias
ilusões

daí a leitura.

este livro é parte
do presente.
mas também
ontem e amanhã:
Guimarães.
sertão
e fé.

a outra
sigo sendo eu.
e tudo que
não vejo ser

é...
verdade danada.
o sertão, seu moço
é dentro da gente


[você conhece a obra de João Guimarães Rosa?]
http://pt.wikipedia.org/wiki/Jo%C3%A3o_Guimar%C3%A3es_Rosa

segunda-feira, 5 de maio de 2008

Saguão

dos dias em que há silêncio
devo pensá-los espaço

vazio arquitetônico
esplanado
pedestal de deslumbramento
e dores

dos dias em que há rumores
devo pensá-los trovoadas

alma em tempo de chuva
sono de tudo o que é terminado
e certo
religio ao ser que assusta - eu

dos dias em que há imprecisões
devo pensá-las mórulas
tardança em enxergar veredas sólidas

e vai.

para todos os dias
jeitos de compreender
o sol e a lua
coisas que não só hermetismos

os faço também eu

que na falta de melodias
vou lhes esculpindo
frases soltas

Poemas Apertados - 01

há um despertamento
entre tantos quandos
adormecidos e pontos

forma desajeitada
de perceber as horas
este emaranhado de galhos
nos quais embaraço desejos

há um tempo flácido
sem fim nem começo
para fazer segredos

tempo inventado em proza
rimado a amanheceres vagos
inversos dos amores meus

Ensaios sobre o ver - 15

àquela gente
enxergar
não procedia

paralisia
da visão

o curioso
era um
moleque
minguado
agredido
esquecido
pelas esquinas
sujas
da capital (feudo)

eram olhos
de pernas fracas
mas eram olhos...

Meta-poesia 02

não sou, portanto
escritor, poeta
romancista, cronista
não.
não posso assim

meu sistema poético
é
órgão de sentido

cumpre sina
trabalha
opera no toda-hora
horas
insiste, porque existe

faço poesia
involuntária
questão
de manifestação

Meta-poesia

o vermelho
habita
a poética
parida
em mim

olhos
crepúsculos
estrelas
bandeiras
flores e
sangue

é do que
me farto
pratos-feitos
diários
minha rubra
- desejosa
do incendiário -
produção

a respeito
do cotidiano
mastigado
é que escrevo
como se
minha paixão
fosse o
relógio de ponto
o café no balcão
lotação, pressa
fila
feijão

sobre tudo
o que me
serve de
invenção
incorporo
mastigo
mastigo
quando termino
e devolvo.
a lápis
da minha mão
secreção poética

tudo o que penso
tomo emprestado
licencio
furto concepções,
isso.
assim deveria estar:
eu,
credor do que
ao meu redor
existe