quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Marcas e Nomes

porque cristina,
lhe ia decalcado
nas costas
um corpo de
caibro de cruz, pesado

moça dada a salvamentos
quase esquecida de si
na sublime corrente
das suas esperas,
tinha por certo
vesga fé no milagre
das mãos:
repartia peixe, crescia pão
rasgava silêncios em
rezas grossas a
entonar perguntas

e havia sempre um cristo a tentar:
- nunva vi reza conter questionamento!

porque cristina,
levava marcas e focos
no dorso dos gestos,
e olhos-mágicos
a lhe vigiar os passos.
seus destinos
eram navalhas surdas,
farta ameaça a
quem possui cobres e arcos

porque cristina,
tinha o peito um
campo de batalha
a abrigar loucas legiões,
deus e o diabo
em queda-de-braço
putas e freiras
em lutas por
gozo e pão

porque cristina,
segurava no oco da boca
a sede de todo deserto
garganta que bebeu
aço e gente, livros e pássaros
feito cachaça

e emissária, peregrina,
fez sorrir madalenas,
despertou gente
em fazer seu leito
templo de vozes
onde acolheu segredos

porque cristina,
inclinou-se às bocas
até adormecer desfeita
no fundo de cada rosto
que tocou

sóbria como a lua
fez-se espelho
registro vivo

e partiu num sonho;
porque cristina,
precisava fazer-se
enigma,
semblante de chances,
que era para nunca
não terminar.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Um quarto

o quarto tinha uma cama:
era a placa onde
se escreveu amor

e se escreveu silêncio
medo-de-chuva
preguiça de amanhã
vontade de fazer-se
palavra magica
pir-lim-pim-pim
e ser invisível
invencível
impossível

o quarto tinha
um sol e uma lua
desaparecidos
no esconde-esconde
que nunca se acabou
[nem nunca vai]

o quarto tinha os
livros que já
não eram livros
a lua de mel
que não vingou

e fotografias
mais parecidas
a nuvens ligeiras
que o vento soprou

a frase que se perdeu
a historia que virou pó
o filme mudo
e calado
que ninguém revelou

o quarto tinha
também um moço cansado
usado por seus
esquecimentos
calejado em já
não dizer - torto dos sentidos
coxo dos desejos

um pai acovardado
machucado na
pele dos seus olhos,
em um coração mudo

aquele era um
quarto, era metade
era a beirada,

tudo, só a beirada
do que se espera
nesga do que se quer

e no canto
do quarto
uma moça como vulto
mobília e veste
esquecida

que já não
combinava
ali

O que sai da boca do homem?


O que sai da boca do homem?

cada palavra é larva
cada palavra lavra
o livro dos crentes e dos sem fé

cada palavra é pá
cada palavra cava
a cova dos justos que serão pó


[o poema é de meu pai, sh]
[a imagem é de Carlos Carvalho, Arquivos do MST de São Paulo.]

sábado, 17 de janeiro de 2009

Tzipi

Tzipi,
o teu nome não me significa, mas me assusta.
soa como exército perfilado no pátio
mãe ajoelhada no túmulo do filho perdido
um amor que se vendeu por nadas.
fiz um jogo com o teu nome
um tabuleiro de sentidos que agora
tu usas para riscar tua imagem no espelho:
[muro guerra triste peste
podre arma tiro morte
medo grito lixo cego
nada nunca nó não]
tu podes também fazer um quebra-cabeças
entre as chamas que consomem o corpo
das crianças fazer aí o seu dizer:
porque teu Estado tem as mãos de pedra?
quando arrebentas um sorriso qual é o gosto na tua boca?
usa também teu tabuleiro Tzipi
porque penso que temo por ti.
tu és uma moça esquecida
num beco escuro da tua alma.
enquanto ela vai assustada
tu vais assustando, talvez,
que é pra garantir desencontros.
mas, onde tu vais assim?
onde tu vais?
[a imagem que acompanha o poema batizei de Ode ao Estado de Tzipi: http://www.movimentorevolucionario.org/Fotos/xin_5503023109577272436014.jpg]

Sons emprestados

essa poesia é som.
e só.
rito de emprestar
máscaras a esses avessos
de tanto barulho,
é a obra-de-bico
néscio ato de remendar o
Tao no meu peito
em papéis

nenhuma palavra basta
meu canto é a nesga
do que eclode nesse
Isso que tanto
me atravessa

fardo e deleite diários.
opero no meu texto
a rotulagem do infinito
mar de dejetos-desejos
que tomba destes interiores,
linha-de-produção sem
interlúdio, sirene, parada

suspiro em tentativas
de traduzir angustias
mas as palavras são
sempre fotos tremidas
tímidas cartas
edemas sem lastro
anátemas das
Reais sensações

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Memórias do Dia

o mundo era naquela tarde.

eu mais queria só o abraço
no íntimo nó daquela moça
por detrás da sua tão alta
montanha de intransponíveis

eu pensava haver um rasgo
no pano das tantas certezas
em um filtro dessa querência
o amor habitar o chão possível

eu mastigava tantos suspiros
em tudo que agora eram metades:
a roça arada que não semeei
a cachaça tombada que não bebi

metade da sua boca: amargo
metade de tanto amor: o medo
temi ser o tal lobisomem de
todas as ausência: ser-só-solidão

o mundo era naquela tarde.

mas eu não tinha a rédea da lei
obedecia os termos da profecia
decalcada no ventre da minha mãe,
e cumpri desconhecidos destinos

soprado no tempo do pífano, boneco
eu me preparei vestido em carteiro,
meu querer: as correspondências.
outro mandato que me atravessa

o mundo? o mundo era naquela tarde.

enquanto escolhia lapidar meus destinos
no sempre empedrado tempo do fôlego
que já não sei se é, e posso, existe, tenho.
minha vontade um sendeiro em ásperos

minhas tendências: o coco em supuração
a fruta que deixei no arriscado dos pés
a carne rasgada que não levei ao sol
o apetite da represa que o tempo cercou

sábado, 10 de janeiro de 2009

Mudanças

sempre gostei
de caroço de azeitona

ali dentro, depois
do árduo violar

pensava devorar segredos
o tutano daquele bicho

sempre quis ver o que ia
no dentro de todas as coisas.

até que me apareceram
com azeitonas sem caroço

queriam que o mundo
perdesse os mistérios

e aquela azeitona fria, oca
um estádio vazio, já viu?

pois insisti. fui atrás de outros
jeitos de aprender o mundo

sempre acreditei que pra viver
é preciso experimentar caroços

Serra do Vento, 35

da rua daqueles dias
- daquele descidão -
resta um muro amarrado
a encerrar histórias,
um tempo de bola
num mundo que tinha
um tamanho
e cabia

tenho lembrança do futebol
os golaços marcados no portão
- fiz muito mais de 1000,
que me perdoe Pelé.

a gente experimentava
tudo, era a rua nosso território
terra onde plantei e colhi
as primeiras curiosidades.
tanta coisa sempre nova
tanta descoberta
no conforme de cada família

eu fiz um universo com todos
os nomes e todas as gentes,
acho que nunca perdi
os personagens da minha rua

Artur, Maria e Celi
Magnólia, Ademir e César
Osmar, Vilma, Anderson e Fernando
Graça e Nelson
Afonso, Ivone, Breno e Taís,
César, Edi e Verônica
Jair, Marilda, Paula e Renata (ah Renata!)
Maria, Pedro, Paulo, Fábio e Paulo
Cida, Airton, Renata, Milton e Sônia
Oscar, Cida, Jeferson e Kenísia
Sebastião, Maria, Eduardo, Marcelo, Vanessa e eu

tantos de quem emprestei
a moldura do meu tamanho
aprendi palavra e juízo
alegria e lágrima
disputas, amor e solidão

da rua daqueles dias ainda
sou eu a atravessar as ruas
contando essa história

e aquela gente toda a
falar pela minha boca

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Sempresurpresa

eu dizia minha própria lei
- fabricava pedras insolúveis -
e angustiava em desobedecê-la.

no espelho vive um moisés-menino
- severo em seu feroz mandamentos -
assustado com o estrondo da sua voz

Razão

te faço única pergunta
apenas e só a você
poeta ferreira gular,
e aí me interrompo
no abrupto de saber
o que diz essa poesia
o que ela quer

então...

o que existe do outro lado da palavra

dentro-de-fora ou contrários?

Viva 2009! enquanto arranho papéis para aquecer qualquer produção, abro aqui espaço para um moço chamado Henrique falar as suas próprias poesias pedaços da infância...

Correições

O meu pai era o poder. E questão não permitia.
- são cismas desse menino.
E eu fermentava dúvidas:
- mãe, me diz mãe: formiga reza?
- credo em cruz, isto é blasfêmia!

Mesmo assim eu insistia:

Correições lembravam mesmo
as procissões na estrada.

Diferente é que chovia
e a mãe não assuntava.
Não dicernia o mistério
chover sem as ladainhas

***

Obstinação

peninente
o pai limava a enxada
Gemuflexo,
cobria a terra úmida a esmerilhada estrela

[sebastião henrique]