Uma moça sonha a cidade
desperta uma colméia confusa
ladrilhada em desejos coloridos,
é operária em um carrocel metálico
e não entende nada
Barcelona entorpeceu seus olhos
ela rodopia, fala, enfeita-se
que é pra se esquecer engrenagem,
desentender-se
No espelho, sou sua outra
me apavoro lendo sombras.
a rua é ruína
a cidade borra
um resto de pele do seu rosto
enquanto devora gente
a rua é muralha milenar, militar
a cidade engole
planos, telas e cores
enquanto desinventa-se em igual a tudo
toda criação se inverte
objeto.
o afeto é um bibelô
o grito um pinduricalho
e as cores
são não mais
que o sorvete lambido
em roletas, filas e fotografias
os ônibus são cúbicos
o metrô é um cilindro opaco
as salas têm poros em
todos os ângulos,
mas Picasso, onde vai?
quem passa o tempo
adormecido nos ventres de Gaudi?
quem mergulha nos infinitos
traços de Miró?
Não, a menina patina
nos corredores da hipercidade
e não conhece os outros lados
do seu rosto. o gato comeu seus olhos
seus?
O que é seu nessa cidade?
o segredo que não conheço?
o quase-vazio do inverno?
sua língua, seus vizinhos, suas praças, seus tapas?
as varandas, os jornais, mini-saias, os seus pães?
construções?
suas carnes, seus cafés, suas danças ou o
sangue que escorre nas taças?
touradas? Valentia, camarões?
tanto que ocupa suas gôndolas
que a moça se move plégica.
não há canto
na erupção das moedas
ela não vê seu talvez,
é o corno no
Decamerão.
é Cândido; Benjamim.
ela não conhece
quem a governa
mas não se importa
Barcelona é imponente,
nova cidade-estado,
é auto,
é em si,
é convergência e vitrine,
e pulsa
nela, o coração de um rei vai
traduzido em coração de touro
bicho apressado pelas ruas
cada vez menos ruas
cada vez mais paredes
até...
Um comentário:
´...é também poesia esse olhar côncavo-convexo-simples.
Perplexo,perambulo entre os versos atentos essas ruas da complex-cidade.
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