quarta-feira, 28 de maio de 2008

Defeso

com janeiro
mês de azuis
retraiu-se:
fez
defeso do amor

antes, seguia
avanços
predatórios
em redes cheias
de amores
desenganados,
debatendo-se
em suspiros
finais, agonizantes

agora,
o defeso
encerrava a pesca.
bastaria, o tempo,
pra renovar
esperanças

até que as redes
voltassem ao mar
e o amor lhe tomasse
em cardumes prateados

segunda-feira, 26 de maio de 2008

Dos mundanças

do fiapo
d’água,
arroio
de essências,
daquilo
que vim

no agora,
escandaliza
um rio

bom
perder o
horizonte,
ver o
sem fim
de cada
corrente,
cada veio
d’água
vistoso,
infinito
quente e frio

pensava remar.
que nada!
a vida
é questão de
ser-peixe.
infiltrado
d’água
nas guelras
seguir
misturado

enredado
de si, das
moças e botos
praia e tocos
todas histórias

misturado
mergulhado
no sem fim

e fazer-se
sempre
chegando...

sexta-feira, 23 de maio de 2008

Terra queimada

O sentido se foi.
se foi o estado
agora pássaro calvo
e o país
partiu-se
feito pau arremessado
ao fogo
espirrando tons
áridos, ácidos - hálitos

desexistência e morte
a alimentar
toda fogueira urbana

a moça partiu calada
no também de tanto verde
que restou em
galho seco
resto de toco
terra, terra, terra
desgoverno do fogo
estalo e uivo
angustiado

[* a imagem é de Eduardo Silva; irmão e companheiro, anda por aí a fotografar existências.]

sábado, 17 de maio de 2008

Sublimações

venho de lá

convido a
viver o vivo,
este transitório
estado
de quase

a mover-se entre
quandos e
sustentar
o que "está para"...

ser o que
reticencia
toda sentença

a palavra é
nada - impressão
estalo e tentativa.

para haver,
é o que já foi
foi o que já não é
sempre um-talvez

sublimação do sabido,
o instituído
fagocitado em perguntas

um é,
de si inseguro,
desapegado
dos laços
desavisado
das pedras
coisa esquecida
sem rosto
e território,
partida

quer ser
aquilo
o que
não se é

e existir
naquele que
não se pensa

ser
aquele que é.

e
o que é, já foi

Risco aliterado

Via a vida
pelas vitrines

e vislumbrava
vozes nos vidros
vazados

dos olhos
vertia vanessas
em vôos viciados

vacão
velho-vazio
vaso-vazio
tipo-vazio
(des)valido

vértice de si
a vomitar
verdades vãs

vãs, vão, vai
verdades vãs
velho-vulcão
vulcanizado

[Sexta-feira, vila madalena vazia. Pela vitrine, vejo o vigia que namora os carros. No vidro, furta-me um pensamento: onde anda Belaque, o professor? Tanta literatura e poesia em voz vulcânica a ensurdecer meus ouvidos jovens. Alguma coisa ficou. Que ele esteja bem.]

quinta-feira, 15 de maio de 2008

Cerrado

Terra
em milagre,
desenganada.

hoje,
assentado
em mim,
conheço o cerrado
do impossível.

na picada
rachada
a gritos -
verdades
retorcidas
em galhos
hirtos, mato.

um campo
sem sombras
esconderijos?

tudo
é sem parada:
revoada
florada
corredeira
pó.

o cerrado é
enquanto
recolho
pedras.

peças
no pra-sempre
desses todos
quebra-cabeças

quarta-feira, 14 de maio de 2008

Propósitos

A poesia
escurece
quem se
ilumina
de nadas

amanhece
quem se
recolhe em
gestos
noturnos

faz tudo
e nada

terça-feira, 13 de maio de 2008

Mais vida seca

Da menina
que viu
restou
um soluço
esquecido
distante
feito fartura
fé.

movia-se
fabiano
retirante
de si

ia oco
sob o sol

Cangaçocárdico

Maria-bonita
será?
haverá um quando
de ser Lampeão?

haverá história?
veredas descobertas junto?
dias de lua e sertão?
plantio de meninos?

o tempo serpenteia
entre, agora,
esse todo-dentro sertanejo
que cala e espera
roga para chover as horas

haverá então?

segunda-feira, 12 de maio de 2008

Campanhas

Assisti, da política,
a cerimônia fúnebre.
sou parte do coro
calado, ladainha

O povo ouvia inquieto
o pregador em riste
enquanto ele,
embriagado de si
vociferava vaidades

Sobre o andor
aganizava o defunto
a política jazia parada,
morta.

ele, porque paria fiéis
redimia a morte
orando verdades vazias

domingo, 11 de maio de 2008

Missa de domingo

Amanheceu o dia.
às seis horas
- quase ontem –
levantou-se,
devoto de si

entre os dentes
o terço de palavras gastas
confianças
graça armada em barro

bem dito o dia de provar o corpo
a intensidade
de uma missa em cápsula

de tudo se livra
ao todo converge
salve o reencontro
salve a descoberta

salve o homem-templo
salve o que desperta

Palavras da salvação
- tudo vem de dentro de nós

sábado, 10 de maio de 2008

Para sábado

Viver tempo de novena
sagrada quarentena
- entre –
em mim.
Eu, procissão.

Vão?
Idéias carpideiras
ladainha perene
andor carregado
figura tombada
esculpida em pedra
desgastada
repartida.

Vão?
Ao cimo daquele morro
- antes –
serpenteia paciente
come as ladeiras
o asfalto falho
recortado

lá desata e oferece
prece apressada
inicia nova caminhada

Café Contido

No café
o conteúdo
do mundo
filtrado
na pressão
do tempo
expresso
amargo
quente

universo
escurecido
esperança
torrada
amor em pó

suas dúvidas
envelopadas
contidas
em porções
finitas
quase a adoçar
a tarde

cada coisa
dentro da
outra

seu amor
líquido engolido
- breve -
rabisca
futuros
nas paredes

sexta-feira, 9 de maio de 2008

...

Meu irmão

onde foi teu rosto?

na mangueira,
um moleque:
voa rapaz!

belo
semblante
de quem vai

no depois,
o destino
que não vi
te perdi?

Entardecido

Tento sonos
sobre os
ombros
da terra

sempre pouco
- atentado -

peso estendido
sobre nós

tantos nós
indesatáveis

mato que não cessa
roça interminável

eu, tributário das horas
feito meu velho pai

quinta-feira, 8 de maio de 2008

Para quinta-feira

O que setembro aprende com agosto?

Seus dias secos moldados em tempo sólido
A agonia do inverno em um cuidado pálido
As poucas tardes caladas a procura de fôlego

O reencontro evitado com fantasmas incômodos
A terapia embutida nos amores recônditos
A incerteza concreta sobre um futuro insólito

A poesia encontrada num momento mecânico
As tantas cartas paradas nas respostas atônitas
O vai-e-vem calejado em tentativas biônicas

O não saber assustado feito em bomba atômica
A luz do sol diluída em noite eterna e intacta
O vir-a-ser enterrado sob uma montanha cármica

As construções permitidas na ascendência esférica

quarta-feira, 7 de maio de 2008

Livro

Encontro
tua boca
no tempo
vazio
- quase-coisas
uma cidade, quase,
quase a história

atravesso
- nesse quando,
teus lábios
desencontrados
e me escondo
dentro de ti

em fuga,
abrigo-alimento,
e morro
no teu corpo.

revirado

você: prato
eu: náufrago faminto

Você conhece Mia Couto?

O moçambicano Mia Couto nasceu na cidade de Beira, em 1955 - um dia ainda chego por lá. Poeta, jornalista, biólogo engajado e romancista de estilo inconfundível e evocador de Guimarães Rosa, tem me encantado com sua obra. Nos últimos meses andei mergulhado em três delas: Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra (sublime); O último voo do flamingo; Terra sonâmbula, todos publicados pela Companhia das Letras. Sugiro leitura, no desejo de que lá você se depare com coisas do assim: "Aprendera na tropa - só se dispara sobre o inimigo quando ele estiver perto. No caso dele, porém, estava tão próximo que arriscava disparar sobre ele mesmo. Ou fosse dizer: o inimigo lhe estava dentro. Isso que ele atacava era não um país de fora, mas uma província de si". Segue um quinhão de sua poesia...

Quissico

1. Deixei o sol
na praia de Quissico
De bruços
sobre o Verão
eu deixei o Sol
na extensão do tempo
Molhando, quase líquido,
o dia afundava
nas fundas águas do Índico
A terra
se via estar nua
lembrando, distante,
seu parto de carne e lua

2. Não o pássaro: era o céu
que voava
O ombro da terra
amparava o dia
A luz
tombava ferida
pingando
como um pulso suicida
um minhas ocultas asas

Fonte: http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_africana/mocambique/mia_couto.html

terça-feira, 6 de maio de 2008

Meta-poesia 04

Porque
nada
é separado: então?

deveriaeufazerpoesiaaglutinantemandarinjogarossímbolospelosaresfeitotextotorrencialprodutordeerosõesnoqueécompartimentorepartiçãodatolicedosfatosedasopiniõessenadasealcançaaospedaçosreduçõesecadaconstruçãoéconcretoevazioharmonianyermaieriananapoesiadascurvasdoscôncavosconvexosedasinversõesquecontenhodomundodassuascontençõesdomundosemfim

Insistência, [ou] do pensamento sobre um eu

Me recordo
das ondas
um ir e vir
frenético:

i n a l t e r á v e l

busca constante
por um ser ( )
que nunca chega

insistente procura
andança
que não passa
e tentativas...
a motivar carícias na areia

dúvida vazia
[talvez?]
em procurarem
o que não conhecem

Relendo Vidas Secas

A mãe lavava roupas
, pensamento enrugado,
as estendia ao vento
pensava em voar com elas

o pai, calado,
t-o-r-c-i-a as palavras
as pendurava em poemas
mudos
pensava em voar com eles

silêncios
sonhos que não comungavam

hora de almoçar.

Ecos

Todo grito
e todo
contrário
são jeitos
de fazer
desdormir
estético

o mundo,
por bom
só se funda
acordado

Meta-poesia 03

que
toda
convergência
é também
óbito

a vida
se dá
em enxurradas

estouram
manadas
conceituais

palavra em
descontensão......................................... infinita
produção

O sertão é dentro da gente

Diz-se, do sertão
que ele é
dentro da gente

naquelas áridas
paisagens
nas paragens
e lusco-fusco
dos saberes
no vazio
das certezas

resiste.
é chama
do fogo
das escolhas
da gente

quanto podemos aí,
capoeira
de tão pouco
enxergamento?

ninguém sabe

não sabia diadorim
não sabia riobaldo
não sabia o coisa-ruim

deus? talvez menos
pobre diabo - blasfemo

pra mim
tudo parece
prosa de quando

se garra chover destinos
- nítidos -
quanda a hora precisa,
desenhada
pros passos novos

hum! aqui.
mas se a chuva
vem do céu
caberia só espera
então?
esperança?

haveria em nós
um tempo de
ave de mau-agouro?
espreita
tocaia
fé no presságio?

vai tombada
à terra
a garrafa dos
nossos demônios?
necessários

na sombra
do capim-açu
d'onde dei pra
viver escondido
pensativo
amargoso,
penso que não

talvez seja a chuva
um desabrochar
da alma
vem de dentro:
fonte permanente
ali onde
se banham
verdades claras

sei não seu moço.
faço aqui
notas breves
contas de caderneta
silêncios
jeito de ajudar
a engolir os dias

e penso que perdi

perdi por aí
um resto
de ingenuidade
que 'inda carregava

não sei pois
se é triste
o enfadonho, sabe?

penso, mas
não sei se existo
isto é certeza
pra ingleses,
estes senhores

só não tenho força
pra atirar peneiras,
tampouco
tecer poemas
a moças-vaidosas

e são tantas, tão perto.

fica então
com este escorrido
de versos

vou te desejando
ingenuidades
desimportâncias
ilusões

daí a leitura.

este livro é parte
do presente.
mas também
ontem e amanhã:
Guimarães.
sertão
e fé.

a outra
sigo sendo eu.
e tudo que
não vejo ser

é...
verdade danada.
o sertão, seu moço
é dentro da gente


[você conhece a obra de João Guimarães Rosa?]
http://pt.wikipedia.org/wiki/Jo%C3%A3o_Guimar%C3%A3es_Rosa

segunda-feira, 5 de maio de 2008

Saguão

dos dias em que há silêncio
devo pensá-los espaço

vazio arquitetônico
esplanado
pedestal de deslumbramento
e dores

dos dias em que há rumores
devo pensá-los trovoadas

alma em tempo de chuva
sono de tudo o que é terminado
e certo
religio ao ser que assusta - eu

dos dias em que há imprecisões
devo pensá-las mórulas
tardança em enxergar veredas sólidas

e vai.

para todos os dias
jeitos de compreender
o sol e a lua
coisas que não só hermetismos

os faço também eu

que na falta de melodias
vou lhes esculpindo
frases soltas

Poemas Apertados - 01

há um despertamento
entre tantos quandos
adormecidos e pontos

forma desajeitada
de perceber as horas
este emaranhado de galhos
nos quais embaraço desejos

há um tempo flácido
sem fim nem começo
para fazer segredos

tempo inventado em proza
rimado a amanheceres vagos
inversos dos amores meus

Ensaios sobre o ver - 15

àquela gente
enxergar
não procedia

paralisia
da visão

o curioso
era um
moleque
minguado
agredido
esquecido
pelas esquinas
sujas
da capital (feudo)

eram olhos
de pernas fracas
mas eram olhos...

Meta-poesia 02

não sou, portanto
escritor, poeta
romancista, cronista
não.
não posso assim

meu sistema poético
é
órgão de sentido

cumpre sina
trabalha
opera no toda-hora
horas
insiste, porque existe

faço poesia
involuntária
questão
de manifestação

Meta-poesia

o vermelho
habita
a poética
parida
em mim

olhos
crepúsculos
estrelas
bandeiras
flores e
sangue

é do que
me farto
pratos-feitos
diários
minha rubra
- desejosa
do incendiário -
produção

a respeito
do cotidiano
mastigado
é que escrevo
como se
minha paixão
fosse o
relógio de ponto
o café no balcão
lotação, pressa
fila
feijão

sobre tudo
o que me
serve de
invenção
incorporo
mastigo
mastigo
quando termino
e devolvo.
a lápis
da minha mão
secreção poética

tudo o que penso
tomo emprestado
licencio
furto concepções,
isso.
assim deveria estar:
eu,
credor do que
ao meu redor
existe