quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Constatação Tardia

Minha boca é a
nascente do rio
tudo-o-que-não-tenho

Navego em vontades
e sou aquele que só
tudo-quer-ser

Não sou, que é pra
saber existir

Não sou.
Logo, existo

Curioso...
Será que as largatixas pensam assim?

terça-feira, 19 de agosto de 2008

Torneira do tempo

hoje relampeja.
chuva? Nada
a torneira
pingava o tempo
em ladainha

eu nadava as gotas
enquanto
concebia em esperança
um rio de devaneios
e viver em vertigem

sentia na cabeça:
existir é pescar.
importa fome
e desejo
nem sempre se sabe
tanto um, quanto outro
mas hão,
emaranhados

arremeço em tempo de lesma
tatear no caladão das horas
insistir sobre a perda
recolher sabedoria e gosto.
o peixe, no às vezes
dos dias

no barranco
recolho os olhos
aqui era um dia seco.
defeso do azul
enquanto está
cada vez mais
em mim,
que toda
torneira
é um rio
que desistiu

domingo, 17 de agosto de 2008

Preparos

Pela manhã
sua mãe
o aconselhava
lavar os olhos

- Dord'oooolho! Ela dizia.

Tempos depois
entendeu
que o sono
lhe calibrava
o olhar,

coisa que a água fria
despertava todo dia.

- Dord'olho é não enxergar! Ele dizia.

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Pedaço-em-pergunta

O que há do outro lado da minha boca?
De onde vem a palavra?
Onde vou, quando não estou aqui?
Quem fala na minha poesia?
Onde desapareço?
Quem grita no meu silêncio?
Quem me vê do espelho?
O que nasceria dos meus abortos?
Quem é o roteirista dos sonhos?
O que é o avesso da palavra?
Faço? Sou feito? Me faço?

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Não

Um tempo
à beira das horas
nonada do mundo
esquecido de estrada
palavra e disposição

levar borracha do bolso
em apagar a tendência
feito a ave-maria
lusco-fusco em solidão

ser feito d'água
em diluir
tal bruta concentração

e acordar comigo
parir minha vez
na palavra que evito

esse avesso do sim
estranho raro
estrangeiro: não

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Canto de espera

passa o quero-quero
que tanto quer
esse pássaro,
isso crucificado
grita-sem-coisa
voa sem porto

quero-quero-quero

que tanto traduz o mundo
tudo ela aquilo tanta gente

quero-quero-quero

aveamplificador
teu bico é um balcão
fila de náufragos
teu vôo arremessa
bocas fechadas
gente-que-não

quero-quero-quero

pássaro vagão de desejo: vai
eu vi a fome tua alma
em incessante tentativa

quero-quero-quero

tu és tanto silêncio
teu nome é distância
teu nome é não posso
teu nome é não tenho
teu nome é cadê
teu nome é
ave-

quero-quero-quero

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Machado

andava raso, no vesgo da luz
um machado pendia nas mãos.

o silêncio ponto do pássaro
fazia um tanto calor semfim.

e o tempo ia torto, sem sopro
de um sol promovido a doutor.

entre lembranças verdes, o,
casmurro na sombra minguada.

esqueceu-se do trem, amolecou-se
anoiteceu em ver quinquas borba

domingo, 3 de agosto de 2008

Ensaios sobre o ver - 08

...
eu sonho...

na máquina
dos olhos
aquilo que
me opera.
tempos feito
engrenagem

passagens do
dentro e fora
hora-a-hora
abandonadas:
deixo as separações

à máquina
não se engana
inteiras plenas
percepções.
chega
até onde faltam
meus pensamentos
entende
no onde
escapo calo
minha voz

máquina-do-tempo
os olhos
do sem contorno
eterna partida
e retorno
em direção
à matilha de mim

[a imagem que acompanha a poesia conheço por máquina-do-corpo e foi gentilmente cedida por André Brandão: http://www.andrebrandao.com/]