sexta-feira, 18 de julho de 2008

Mariscal

Pelas praias, pelos pratos de Valencia, tantas conchas. Penso ter me lembrado Neruda, o oceano de palavras do poeta. Em dias em que falar é permanente invenção, escrevi...

Minhas palavras
são minhas conchas
sou carne assustada
na casca das minhas frases
meu grito é esqueleto
e toda argumentação
minhas cápsulas
escrevo as linhas
curvas do meu corpo
torto o meu útero
onde capturo oceanos

minha boca cospe
ossos no caes
onde ancoras faminta
minha língua calcifica
petrifica as sílabas-górgonas
que se enlaçam em tuas redes
meu grito é então pérola
antígeno a preparar
primavera nas tuas mãos

minha prosa me esconde
tu me invertes

me fecho
enquanto o vapor cáustico do
teu desejo me descola

faço um segredo, me calo
tu és o estupro consentido
os dedos que me estragam de assalto

eu faço voto, estaciono, me asseguro, escondo
tu és o pote fervente, o óleo escuro
que me dissolve

eu me encaixo, adormeço na trama
de corais serpentes minhas certezas
tu me distraes, em tapas corta
minhas linhas me faz presa flácida

eu falo, tu me alucinas
eu falo, tu me exterminas
eu falo:
casco férrico
pele pétrea
alma plúmbica
produzo palavra sólida

enquanto oras um caldeirão
em que me esqueço máquina
e lápide

mergulho em ti pra me lembrar
conversa, bossa, plá...
mergulho e flutuo pra me lembrar
que sou antes qualquer palavra

tudo, barata, ave, nada
gente, oco, água, pouco

sou alfabeto
plano e buraco, sou quase.
sei o gosto de ser
qualquer palavra
e sou também ensaio
letras nas mãos de um menino

sou armação, quebra-cabeça, carta-de-amor
rabisco e palavrão,
sou pixação, exo-vontade
sou palavra
que me fala, em
qualquer possibilidade

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