quinta-feira, 31 de julho de 2008

Comentários a El Gran Masturbador

entardece o dia em tímidos vermelhos,
meu rosto pálido curado no tempo seco
é um fruto no tronco em infinito inverno

toca um vento amarelo os olhos,
dias e noites me emprestam espíritos
quando sou nada mais do que respiro

deserto, meu corpo é uma ampulheta
cíclica, máquina-do-tempo sem fim
máquina-de-areia em uma obra infinita

caçador que aprisionou um coração
engaiolado e pulsante, memória do
dia que vai surgir na curva das horas

o rosto é também medo da serpente
pesadelo adotado da infância tribal
sedução e vaidade que é e assombra

e a tudo devoram as águas do tempo.
nao há tanto assim no largo horizonte
e minha palavra é um barco-besouro.

procuro, logo existo. Sou essa busca
soprada de escuta em escuta, olhar em olhar
entre portos que não ouso, talvez, ancorar

[tentativa de diálogo entre auto-retratos: Dali]

quarta-feira, 30 de julho de 2008

Notas simples aos reis daí

suas cabeças levam pedras
a cidade é um velho leão
atormentado em insônia. sonha
a zebra que não pode mais

a savana é a tela calada
nos labirintos gélidos museus
e toda noite é agonia quando
a força fermenta-se em medo

um muro abriu salas falantes
onde havia antes adagas cegas
e o vapor dos grilhões sublimados
também apodreceu armaduras

refluxo e mistura pelas ruas
navegações invertidas, e a
nação em desespero ao
ser descoberta; riso ao avesso

aqui, tudo o que é de pedra
já está inventado e firme
até as idéias e rebeldias
são colossos prédios, quadros, bustos

que se leva daqui, então?
não é assim descobrir?
deixar pegadas na carne
arrancar o valor em pó?

não. não vive nas contas
o conto que nos interessa
sob as saias, vozes e pressa
o reino transborda desejos

meu reino, por não ter medo
meu reino, por haver tentativa
meu reino, para que exista reino
meu reino, para que eu tenha lugar!

assim gritam seus sussuros
enquanto Madrid sustenta
muralhas e defende seu feudo,
seus flancos e a sua vertigem

porque há cabeças
que não se querem pedras
há leões em um balé surreal, assustados
surpresos com o terno abraço das zebras

Desenhos na Madrid-Vieja

uma linha
risca a tua rua

no papel, uma vírgula
a tua lua

reticências
para que eu seja tua...

inspiração
interjeição
interpretação

só apareço
se escreves

sou quando
tu queres

uma janela
uma saudade
uma metade inventada

um sentido
escondido, um suspiro
em tua oração

sexta-feira, 25 de julho de 2008

Hipercidade

Uma moça sonha a cidade
desperta uma colméia confusa
ladrilhada em desejos coloridos,
é operária em um carrocel metálico
e não entende nada

Barcelona entorpeceu seus olhos
ela rodopia, fala, enfeita-se
que é pra se esquecer engrenagem,
desentender-se

No espelho, sou sua outra
me apavoro lendo sombras.

a rua é ruína
a cidade borra
um resto de pele do seu rosto
enquanto devora gente

a rua é muralha milenar, militar
a cidade engole
planos, telas e cores
enquanto desinventa-se em igual a tudo

toda criação se inverte
objeto.
o afeto é um bibelô
o grito um pinduricalho
e as cores
são não mais
que o sorvete lambido
em roletas, filas e fotografias

os ônibus são cúbicos
o metrô é um cilindro opaco
as salas têm poros em
todos os ângulos,
mas Picasso, onde vai?
quem passa o tempo
adormecido nos ventres de Gaudi?
quem mergulha nos infinitos
traços de Miró?

Não, a menina patina
nos corredores da hipercidade
e não conhece os outros lados
do seu rosto. o gato comeu seus olhos
seus?

O que é seu nessa cidade?
o segredo que não conheço?
o quase-vazio do inverno?
sua língua, seus vizinhos, suas praças, seus tapas?
as varandas, os jornais, mini-saias, os seus pães?
construções?
suas carnes, seus cafés, suas danças ou o
sangue que escorre nas taças?
touradas? Valentia, camarões?

tanto que ocupa suas gôndolas
que a moça se move plégica.
não há canto
na erupção das moedas
ela não vê seu talvez,
é o corno no
Decamerão.
é Cândido; Benjamim.
ela não conhece
quem a governa

mas não se importa
Barcelona é imponente,
nova cidade-estado,
é auto,
é em si,
é convergência e vitrine,
e pulsa

nela, o coração de um rei vai
traduzido em coração de touro

bicho apressado pelas ruas
cada vez menos ruas
cada vez mais paredes

até...

sexta-feira, 18 de julho de 2008

Mariscal

Pelas praias, pelos pratos de Valencia, tantas conchas. Penso ter me lembrado Neruda, o oceano de palavras do poeta. Em dias em que falar é permanente invenção, escrevi...

Minhas palavras
são minhas conchas
sou carne assustada
na casca das minhas frases
meu grito é esqueleto
e toda argumentação
minhas cápsulas
escrevo as linhas
curvas do meu corpo
torto o meu útero
onde capturo oceanos

minha boca cospe
ossos no caes
onde ancoras faminta
minha língua calcifica
petrifica as sílabas-górgonas
que se enlaçam em tuas redes
meu grito é então pérola
antígeno a preparar
primavera nas tuas mãos

minha prosa me esconde
tu me invertes

me fecho
enquanto o vapor cáustico do
teu desejo me descola

faço um segredo, me calo
tu és o estupro consentido
os dedos que me estragam de assalto

eu faço voto, estaciono, me asseguro, escondo
tu és o pote fervente, o óleo escuro
que me dissolve

eu me encaixo, adormeço na trama
de corais serpentes minhas certezas
tu me distraes, em tapas corta
minhas linhas me faz presa flácida

eu falo, tu me alucinas
eu falo, tu me exterminas
eu falo:
casco férrico
pele pétrea
alma plúmbica
produzo palavra sólida

enquanto oras um caldeirão
em que me esqueço máquina
e lápide

mergulho em ti pra me lembrar
conversa, bossa, plá...
mergulho e flutuo pra me lembrar
que sou antes qualquer palavra

tudo, barata, ave, nada
gente, oco, água, pouco

sou alfabeto
plano e buraco, sou quase.
sei o gosto de ser
qualquer palavra
e sou também ensaio
letras nas mãos de um menino

sou armação, quebra-cabeça, carta-de-amor
rabisco e palavrão,
sou pixação, exo-vontade
sou palavra
que me fala, em
qualquer possibilidade

quarta-feira, 16 de julho de 2008

Plaza Miracle

Doze vezes despertei
em lençóis azul-claro
dobram os sinos em mãos
sobre meus cabelos, na
Plaza Miracle del Mocaoret

uma badalada e bebo
a José Marti libertador

outra baladada
aos homens-peixe no leito do rio

outra ao tempo
que adormeçeu na calçada

outra ao vinho
solvente de toda certeza

outra à noite
que desencoraja gente apressada

outra às putas
que semeiam flores na cidade

outra aos tapas
por devorarem a fome

outra aos loucos
a romper gaiolas dentro de mim

outra aos barcos
semeadores das lonjuras do mar

outra ao verão
fogueira ardente sobre nós

outra a estas ruas,
trama de linhas
urbanas com que
costuro poemas

e a décima segunda,
badalada aos
amigos e amores,
porque rabiscam
pelos tampos das mesas
os melhores traços
do meu rosto

Una vieja en el tiempo

¿son todos bailarines?
preguntó la madre
que iba en sueños
por las horas de la tarde

Y le dije, no.
No, Helena.
están solo bebidos
de infinitas botellas de tiempo colorido.
- ahora lo tienen...
Y me miré a mi, sorpreso

Y le dije, sí.
Sí, vieja,
bailarines en sus
pequeñas cajas musicales.

se hay un sonido de vida
flutuan en
noches de sol.

quieren todo de si
y vuelan plasticos,

están enamorados, vieja.
enamorados por
el verano de aquí

terça-feira, 15 de julho de 2008

Nas janelas da cidade

Em qualquer janela
se dependura um adeus
enquanto os livros
são guarda-lágrimas

todo oceano é um
delírio da terra
e os pratos de sopa
teus sorrisos que afoguei

tenho uma tristeza: vos digo
um amor elástico a
percorrer meu corpo
feito um elevador vazio

assim está. escuro.
o silêncio é longe
é a cidade Chernobil
em construções paradas.
lá, a única coisa viva é o tempo

ele passa,
faz os sonhos
em poeira pálida
e me apequena

todo amor
é radioativo,
e permanente;
perco pedaços
longe de ti.
terminará?

mas os mares
trabalham lento
em dissolver a terra

em toda janela
há também espera.
e os cabelos brancos
das casas, ao vento
mediterrâneo
fazem verão
em confiança

todo vulcão é
terra que se
pensa fogo
todo barro é
já desespero

são não mais
que quases.

então
não sei bem
as esperas.
viver em estado
de hemorragia,
pulso, pulso, pulso
nem sempre é quase-bom

que toda explosão
é também
paciência:

vontade é espera
certeza é medo
silêncio é desejo
saudade é verdade
distância é promessa

e o tempo
passa.
passa pássaro
passa longe
passa à quando
passa à quase
passa agora
passa à nada

segunda-feira, 14 de julho de 2008

Madre Angústia: vai-te.

velha senhora
conquistado pátio
vapor-de-lágrima
lástima muralha

tuas veias secas
ilhas-de-solidão
fome solar
mastigado homem
vale teu dia
um troço de pão

teu pedaço de
gente é pedra
areia o teu útero
laqueado ao tempo
tu, que aprendes?
nada?
navalhas nas mãos
na amarra
alguma tentação?

velha rolha
ressecada
a tua vida
vinagre vencido
e tuas tripas
ratos-de-tróia
a rasgarem-te
devoram-te
enquanto
devora-me
velha senhora
sentido velho
cloaca

vai-te de mim
feito um
carnaval de insônia
que prepara
rasga apogeu
resiste, mas
engasga
encolhe, morre
em cinza mijada

vai-te velha
bruxa cansada
agora não.
agora eu quero
corro, durmo
falo, disparo
devoro o tempo.
devoto
das noites
valencianas

quinta-feira, 10 de julho de 2008

Já vou

vou,
deixo-te
em elegância
de orvalho

adeus leve
sonolento
sereno
sobre nós

eu? quase-exilado
abraço distâncias
encolho permanente
entre o que
terra e brisa
deposito-me
e sigo
líquido petrificado

aceno último
porque vou,
não sou terra
tampouco outro

calo do tempo
nas nossas mãos
calo do quase
calo o amor

Inventar palavras

Gosto de invenção de palavras
plenitudiná-las
no quando quero

fosse assim um
pescador de sentidos
saia pelo mar
em dias claros
anzol sem isca
na persistência...

e vem. Cada palavra bonita:

desilusão
vindima
caes
orvalho
silêncio
saudade
produção
invisível
contrário
enxergamento
amargura
amor-a-pinceladas

e vem. Tudo enroscado
tanta coisa
plenitude nonada

e vou.
eu,
pescador de palavras

Espelho mágico

rosa
abre
tudo
solo
azul
anil
mago
vivo
sabe
dose
cena
fala
pena
vejo
tudo
doer
riso
cura
vida
pura
para
olha
mais
para
você
amor

olha
mais
para
você
amor

!!!!

Meta-poesia 06

O que te ofereço
é leitura
linguagem em produção

nada aqui se faz
feito ícone
demarcação

o texto possível
é o texto em sombra
sabido do seu tamanho

escrever é também
produzir pegadas
tatuar a pele do livro
a sua retina

estrondo contido
em cada recorte íntimo
nossa singularidade
arremessada a cada
linha experimento

penso em auto-convite
auto-provocação
autorização ao risco
embate e contraposição

a imagem do mundo reificado
destruir pela subjetivação
autorizo-me
autorizo contraposições

fundar imagens
auto-imagens em
toda posição, e

tratar a palavra
feito lobisomem
meio-do-caminho
a poesia descentrada

desconcentrada

linha em fuga
homens e lobos
conflito e
confrontação

quarta-feira, 2 de julho de 2008

Ensaios sobre o ver - 02

entre tantas
poças estéticas
a moça
contraiu cegueira

pior é que
nas suas casas,
tantas,
tão burguesas

não lhe permitiam
cão. Não! Nada
que lhe pudesse
despertar a alma

por isso parou
calada, pregada
triste boca cheia

enquanto
lati lá fora